Rute Carvalho: “É na adversidade que se enaltecem as grandes equipas”



Duas temporadas na ribalta e as duas bem distintas, mas ambas com finais felizes.

Rute Carvalho, a treinadora do GD Chaves que já na passada temporada mereceu destaque da Zona Técnica Futsal pelos excelentes resultados alcançados nos três projetos por onde passou, como pode ver ou rever aqui, voltou a destacar-se este ano, mas por um feito completamente diferente, o milagre da manutenção.

Para os mais desatentos, o GD Chaves começou esta temporada com um plantel muito reduzido em termos de recursos e isto tornou o conjunto flaviense numa equipa que teve bastantes dificuldades em atingir bons resultados na primeira fase da prova, e prova disso são mesmo os 2 pontos conquistados em 14 jogos, ou seja, em 42 possíveis.

Na chegada à segunda fase, e tendo em conta que na fase de manutenção as equipas se mantêm com metade dos pontos conquistados na primeira fase, o Chaves tinha então 1 ponto, contra os 4 do Penaguião, 8 das Águias de Santa Marta e 9 do Ourentã, o que as deixava numa posição muito fragilizada, e a precisarem de conseguir nesta segunda fase o que não tinham conseguido até aqui, vencer jogos, mas assim o fizeram.

Este Chaves garantiu mesmo a manutenção com 16 pontos, tendo conquistado 15 nesta segunda fase, em 18 possiveis. O melhor registo desta fase de manutenção que permitiu então essa manutenção que parecia mesmo um oásis. Como terá o GD Chaves conseguido tal feito? Nada melhor que perceber isso com as palavras da treinadora de equipa, Rute Carvalho (RC) a quem a Zona Técnica aproveita desde já para congratular pelo feito alcançado e por agradecer a disponibilidade para esta entrevista com que o deixamos então:

 

ZT - Depois de na passada temporada a termos entrevistado por ter conseguido excelentes resultados nos 3 projetos em que participou, tendo em conta os objetivos das equipas, esta época acaba por ser destaque por um motivo bem diferente, pelo “milagre” da manutenção em que quase ninguém acreditava. Agora que esta época chegou ao fim no que ao GD Chaves diz respeito, qual das duas épocas lhe deu mais gozo em terminar?

RC - É uma pergunta difícil. Foram épocas distintas e ambas bem “saborosas”. Na época passada não queria terminar, porque foi sempre tudo muito positivo, nesta desejei que terminasse o quanto antes pois estava tudo a ser muito difícil de gerir em termos emocionais. São conquistas totalmente diferentes, e cada uma tem um sabor especial.

 

ZT - Numa temporada que logo à partida parecia condenada, qual o sabor que este feito lhe traz?

RC - É um sentimento inexplicável alcançar este feito. Lembro-me bem que umas das coisas que disse na época anterior, quando falamos, foi que o que mais me motiva é quando alguém me diz que não serei capaz… E esta época foi desde o começo essa premissa: “não vão conseguir”, “não têm hipótese”, “não consegues fazer omeletes sem ovos”… E aqui estamos, contra todas as probabilidades e maldizeres, contra aqueles que muito festejaram o nosso “eterno” último lugar na tabela classificativa, contra aqueles que iam ao pavilhão para se rirem de nós. Há uma frase que passei às jogadoras, que posso revelar, precisamente dentro deste contexto: “Vamos calar as vozes que nos querem lá em baixo e fazer dos aplausos, dos que nos puxam para cima, ensurdecedores!”.

 

ZT - Depois do Penaguião o ter feito na passada temporada, esta época foi a vossa vez. Qual o segredo para estes milagres?

RC - Eu acho que não há grandes segredos, e muito menos receitas. Quem está no fundo do poço só tem um caminho, que é subir. E nestes casos a vontade de vencer sobressai muito em detrimento do medo de perder, pois em determinadas alturas já há muito pouco a perder. É na adversidade que se enaltecem as grandes equipas e que os seus membros se unem em prol de uma causa, deixando muitas vezes de lado os próprios interesses e egos que, quando as coisas estão bem, acabam por estar um pouco mais “à tona”.

 

ZT - Acabou a primeira fase com 2 pontos, fruto de um empate com o Penaguião e outro com o Águias de Santa Marta, mas tirando ali os jogos da primeira volta contra Ourentã, Santa Luzia e principalmente Vermoim e Novasemente, onde sofreu derrotas pesadas, em todos os restantes 8 encontros sofreu sempre derrotas por números equilibrados, sempre com 1 ou 2 golos de diferença. O que acha que vos faltou nessa fase para conquistar mais alguns pontos nesses jogos?

RC - A primeira volta foi uma espécie de “pré-época” para nós, pois a que tivemos foi muito condicionada devido a lesões e indisponibilidades para treinar; os primeiros jogos foram ainda para fazer experiências relativamente a jogadoras e processos, para elas criarem entrosamento e para assimilarem o meu modelo de jogo, e por isso os resultados não foram nada positivos, nem mesmo as exibições, tenho consciência disso. Depois, foram exatamente esses resultados (da segunda volta) que nos ajudaram a continuar a lutar e a trabalhar afincadamente no nosso propósito. Todas sentíamos que, mais tarde ou mais cedo, o resultado ia coincidir com a exibição. A diferença exibicional e de resultados (ainda que se mantivessem negativos) da primeira para a segunda volta foi abismal, e isso foi fruto do nosso trabalho. Muitas vezes sentimos a falta da sorte, com vários jogos onde poderíamos ter virado a nosso favor e, com uma bola no poste, por exemplo, saía uma transição para a nossa baliza e acabava por ser o adversário a beneficiar do golo. Acho que nesses jogos senti que tínhamos mesmo um plantel bastante limitado: faltava uma jogadora “com golo”, faltava experiência e, acima de tudo, faltava frescura. Muitos e muitos jogos foram perdidos nos últimos minutos, e quando assim não era não conseguíamos ter discernimento para decidir bem e tentar igualar o marcador, ainda que tivéssemos terminado muitos jogos “por cima” do adversário. Apesar de tudo, e de termos consciência que sem pontos não conseguiríamos o objetivos, estas “vitórias morais” deram frutos e mantiveram-nos sempre a “respirar”; mais do que o resultado e aquilo que nós sentíamos que fazíamos dentro do campo, o reconhecimento de alguns treinadores adversários deu-me muita força para me manter no mesmo caminho -  e a eles agradeço, por sempre me darem apoio e reconhecerem o trabalho que estava a ser feito; quem melhor do que o adversário para reconhecer que a equipa tem o seu valor e pode vir a criar dificuldades?

 

ZT - Quanto entrou na segunda fase com apenas um ponto, a sete da manutenção, numa fase apertada com apenas 18 pontos em disputa, o que lhe veio à cabeça?

RC - Nesta fase limitei-me a fazer contas. Percebi que podia vencer os jogos todos e mesmo assim não manter a equipa, mas esse foi o objetivo: vencer todos os jogos e esperar um deslize de uma das equipas que estão em lugar de manutenção. Na verdade, acabei por “escolher” duas equipas que devia “mandar abaixo”, e contra essas é que os jogos iam contar.

 

ZT - É inevitável, contudo deixar de falar dos outros adversários. Quando viu a saída em massa do Ourentã, apesar de ser algo que em nada congratula o futsal feminino nacional, foi para si um sinal de que essa manutenção poderia mesmo acontecer?

RC - No final da primeira fase eu estava convicta que a nossa hora ia ser na fase de manutenção, e que iríamos vencer os jogos todos e conseguir o impossível. Quando soube dessa notícia tive a certeza que ia mesmo acontecer, e que a nossa “falta de sorte” em tantos jogos da fase anterior teria sido por um motivo e que, naquele momento, as circunstâncias estavam a ser criadas para nós conseguirmos o nosso objetivo. Uma das equipas que tinha que “mandar abaixo” passou a ser o Ourentã, e depois não parecia difícil, pois estávamos apenas a 3 pontos do Penaguião! Acabávamos de depender só de nós para alcançar a permanência, isto assumindo que os dois jogos com o Ourentã não tinham margem para erro, só havia o caminho da vitória.

 

ZT - Depois de vencer o primeiro encontro na secretaria, uma vitória no segundo encontro deixava desde logo o Chaves muito mais próximo dos rivais, mas acabaram por perder, nesse que foi de resto o único jogo perdido nesta fase, contra o Penaguião. Como conseguiu gerir o psicológico das suas atletas depois da derrota nesse encontro que complicava um pouco mais as contas?

RC - Aqui foi difícil. Senti que poderíamos ter deitado tudo a perder. Foi um jogo muito atípico da nossa parte, provavelmente o pior dos últimos 8 jogos disputados. Talvez fruto de alguma ansiedade por ser aquele momento em que podíamos “sair do buraco”, não encaramos o jogo com a mesma valentia e crença com que tínhamos feito nos anteriores, nomeadamente na primeira jornada que, apesar de vencermos na secretaria, tivemos um jogo muito bem conseguido. Tive que fazê-las descer à terra e responsabilizá-las pelo que tinha acontecido; todas concordaram que foi um jogo aquém da nossa identidade e que iria servir para não voltar a vacilar dali para a frente. Sentimos a pressão muito mais forte a partir daquele momento, e conseguimos transformá-la em força suplementar para os próximos jogos – sabíamos que não podíamos falhar, e não falhamos mesmo. O jogo da terceira jornada acabaria por ser o ponto de partida para não mais sairmos derrotadas, e foi encarado com muita seriedade e rigor, dando-nos um alento extra para o que se aproximava. Nos últimos 4 jogos sabíamos que uma derrota nos colocaria no campeonato distrital, e por isso nem sequer era um resultado possível na nossa cabeça; durante as semanas de treino foi sempre assim que gerimos e que trabalhamos.

 

ZT - Ainda assim, depois de tanto aperto, conseguiu chegar ao último encontro a precisar apenas de vencer para se manter, sem ter de esperar nada do outro encontro. Tinha pela frente um desfalcado e descido Ourentã que somava por derrotas todos os encontros, ainda assim era preciso entrar em jogo com os pés na terra, algo que se complicou ainda mais certamente por ter tido 2 semanas para preparar esse encontro. O que tentou fazer para manter as jogadoras focadas e com os pés na terra para esse último encontro?

RC - Foi realmente muito difícil manter as atletas concentradas. Isto porque o jogo em Penaguião foi sentido como uma final, e ali é que acabaram por ser descarregadas todas as tensões que tínhamos vindo a acumular. Foi difícil gerir duas semanas de ansiedade, onde toda a gente mal podia esperar por que se concretizasse o milagre. O que fiz foi manter o foco e a exigência e rigor no treino; elas esperavam um treino um pouco mais “liberto” e eu não o fiz. Trabalhamos da mesma forma durante essas duas semanas, como se estivéssemos a fazê-lo para a primeira jornada ou a preparar um adversário mais forte.

No dia do jogo eu sabia que iria haver algum nervosismo e que, inconscientemente, o nível de exigência delas baixaria perante um adversário mais limitado. O que fiz foi alertá-las para os facilitismos e exigir, exigir 120% do esforço e do rigor na execução dos processos. Mostrei-me sempre insatisfeita (ainda que por vezes tenha demonstrado estar a desvalorizar o esforço delas) para que entendessem que não era hora de brincadeira, e que para festejarmos no final dos 40 minutos teríamos que fazer por merecer.

 

ZT - Agora que a manutenção foi garantida, gostaríamos então de saber se por algum momento da temporada pensou que ia ser mesmo desta que o Chaves não conseguia a manutenção mesmo que depois não exteriorizasse isso, ou se sempre acreditou em todos os momentos que essa manutenção seria possível?

RC - Em vários momentos senti isso. Ainda na primeira volta, quando a equipa não jogava de acordo com aquilo que eu idealizei, percebi que não ia mesmo conseguir fazer mais para que o objetivo fosse alcançado. Aliás, estabeleci como meta o final da primeira volta, para que a equipa mostrasse nos jogos aquilo que eu preconizava nos treinos e, se não acontecesse, eu abandonaria o cargo por não sentir capacidade de fazer mais nem melhor – não aconteceu e eu participei essa intenção à direção, contudo não avançamos; cheguei à conclusão que seria muito mais danoso para a equipa a minha saída do que a minha permanência, pois voltariam a começar do zero em todos os processos, e ali já ia ser uma grande corrida contra o tempo.
Não escondo que esse pensamento me passou na cabeça muitas vezes, que não iríamos conseguir, quer fosse depois de algum treino que corresse mal, ou de um jogo com uma exibição menos bem conseguida; mas mantive-me firme sob uma premissa: Enquanto for matematicamente possível eu não vou desistir e vou preparar cada jogo como se fosse o último e o mais importante. Felizmente, tanto eu como as jogadoras, fomos fortes o suficiente para continuarmos de pé e a trabalhar… compensou, sem dúvida!

 

ZT - E quanto ao futuro, o que reserva para si? Já tem alguns projetos para a nova temporada que nos possa descortinar?

RC - Não sei nada sobre o meu futuro. Neste momento não tenho compromisso nenhum para a próxima época. Estou a terminar os projetos desta e ainda nem pensei muito na próxima. Espero que possa defini-lo em breve, mas neste momento não vou pensar em nada. O que tiver que ser, será!



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