A Geração que Mudou o Futsal Feminino Português: raízes, percursos e o peso da história
No domingo, Portugal disputará a final do primeiro Campeonato do Mundo Feminino de Futsal, mas a verdadeira história deste momento começou muito antes de a seleção aterrar nas Filipinas. As raízes deste acontecimento encontram-se espalhadas pelo país, nos clubes pequenos que moldaram as jogadoras, nos longos dias de treinos feitos em silêncio, nas competições que as fizeram crescer e nas derrotas que ensinaram mais do que qualquer vitória alguma vez poderia ensinar.
Não foi uma geração que apareceu do nada: foi uma geração construída, ensaiada e amadurecida ao longo de duas décadas de sacrifício, persistência e paixão.
Hoje, ao olhar para esta seleção, percebe-se que cada atleta carrega consigo um pedaço da história do futsal português.
Ana Catarina começou no Vilafranquense e tornou-se uma das melhores guarda-redes do mundo;
Ana Azevedo, que se estreou na FPF em 2001/2002, é o exemplo máximo de longevidade competitiva;
Lídia Moreira, formada nos Leões de Porto Salvo, representa a alma combativa que sempre caracterizou as equipas portuguesas;
Fifó, que cresceu no Carnide, é hoje uma estrela global;
Carolina Pedreira, Martinha e Kika, todas com raízes nos Lombos, personificam o rigor tático da nova geração;
Maria Pereira, que começou no Estrelas do Feijó, é uma das alas mais completas da Europa;
Inês Matos, saída da Liberdade AC, tornou-se uma peça fundamental;
Leninha e Kaká, com passagem por Nun’Álvares e Mirandela, trazem a garra minhota e transmontana;
Maria Odete Rocha, nascida no Horta Nova, cresceu com a resiliência das ruas de Lisboa;
Débora Lavrador, vindas dos Leões de Porto Salvo carrega anos de experiência.
Janice, nascida no bairro - Casal São Brás - tem nos pés a classe.
Xana Melo, 20 anos, formada no Gonçalo Velho (Açores): o futuro que chegou demasiado cedo, ou talvez exatamente no tempo certo.
Desde o Europeu de 2023 até ao Mundial de 2025, Portugal viveu 19 momentos competitivos — jogos, estágios, torneios, qualificações e preparação.
E é aí que nasce o segredo desta final: a consistência. Há jogadoras que estiveram em 18 desses 19 momentos, formando um núcleo sólido que carrega a identidade da seleção. Ana Catarina, Ana Azevedo, Janice, Fifó, Lídia Moreira, Maria Pereira, Carolina Pedreira e Inês Matos quase não falharam uma chamada. Martinha, Débora Lavrador e Kika estiveram presentes em 17 ocasiões; Odete Rocha, Kaká e Leninha em 16. O grupo não se construiu no Mundial; chegou ao Mundial já construído.
E o percurso internacional destas jogadoras ilustra essa maturidade. Portugal colecionou pratas nos Europeus de 2019, 2022 e 2023. Conquistou o ouro nos Jogos Olímpicos da Juventude na Argentina, venceu a Victory Cup na Rússia, foi campeão mundial universitário em Guimarães e vice-campeão mundial universitário na China. Foram anos a competir com as melhores, a perder finais, a aprender dor, a transformar fracassos em combustível. Tudo isto trouxe Portugal até aqui.
Nas Filipinas, a seleção tem apresentado um futsal de categoria mundial.
A meia-final contra a Argentina foi uma exibição que ficará para sempre na história: uma vitória por 7–1 que juntou maturidade, rigor tático, agressividade positiva e uma leitura coletiva rara.
Portugal dominou cada segundo do jogo, assinando uma primeira parte perfeita e uma segunda parte inteligente, de gestão e maturidade. Do outro lado do palco, o Brasil venceu a Espanha por 4–1 com uma entrada avassaladora que resolveu o encontro em menos de dois minutos. A final anuncia-se como um duelo épico, um choque entre duas das maiores escolas da modalidade.
Luís Conceição reconheceu, na antevisão, que “quem for mais competente será mais feliz”, e afirmou que estas jogadoras “aproximaram as forças entre Portugal e Brasil”. Não assumiu favoritismo, mas também nunca escondeu a ambição: Portugal veio para competir, não apenas para participar.
Pedro Nobre, um dos mais respeitados treinadores nacionais, descreveu o encontro como um choque entre o fado e o samba, e recordou que no domingo entra em campo não só uma equipa, mas todas as mulheres que lutaram durante anos pela modalidade, muitas delas sem direito a palco ou reconhecimento.
E é precisamente isso que distingue esta final.
Portugal não joga apenas pelo título. Joga pela história que o precede e pela história que quer construir. Joga por todas as atletas que vieram antes e nunca tiveram a oportunidade de disputar um Mundial. Joga por todas as meninas que hoje assistem à televisão e podem, pela primeira vez, acreditar que este sonho também lhes pertence. Joga por um país inteiro que aprendeu a amar o futsal feminino e que se revê na coragem, na transparência emocional e na força coletiva desta seleção.
Quando a bola rolar, não estarão apenas catorze jogadoras na quadra. Estará uma geração inteira. Estarão os clubes que as formaram. Estão os pais que as levaram a treinos quando ninguém acreditava que dali podia nascer uma carreira. Estão os pavilhões pequenos onde o eco das bolas batia mais alto do que os aplausos. Estão as derrotas que ensinaram mais do que qualquer vitória. Está o futsal português inteiro.
E, por isso, seja qual for o desfecho da final, algo já é certo: Portugal chegou ao futuro. Chegou com elegância, com coragem, com competência e com a certeza de que, finalmente, pertence ao topo do mundo.
O resto? O resto será decidido no jogo, onde o fado encontra o samba e onde, por 40 minutos, a língua de Camões será também a língua do futsal mundial.